segunda-feira, 26 de novembro de 2012

A mídia e o silêncio nosso de cada dia



 Até que ponto o corpo feminino é visto como propriedade pública? Será que as mulheres tem realmente direito ao corpo delas? 

O estereótipo da "mulher perfeita" e o mito da beleza são as maiores armas da sociedade patriarcal contra a mulher. O corpo feminino deve sempre se adequar ao formato que a mídia reproduz como o adequado, pelo menos é isso que a todos nos dizem. E se você não nasceu "perfeita", a mídia capitalista te ensina desde a mais tenra idade: "você precisa consertar isso, você precisa ser perfeita, você precisa se encaixar no padrão", e para nos "ajudar" a alcançar este conceito imaginário de perfeição, o mercado e a mídia capitalista nos oferece uma variedade de "soluções", a um preço bem alto claro, como sapatos, maquiagens, roupas de "marca", depilação, manicure, cabeleireiro, cirurgia plástica, cremes rejuvenescedores e dietas dos mais variados tipos. E claro que tudo isso deve ser feito com o seu corpo para que você consiga a "graça e a benção" de amarrar um homem, ou de atrair olhares masculinos, o que fica bem explicito até nas propagandas de absorventes femininos. Afinal tudo o que você pensa quando compra um absorvente é se você vai conseguir atrair olhares masculinos enquanto estiver usando, né?

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Além das propagandas consumistas e capitalistas, temos as séries de televisão, as novelas, os jornais e diversos outros meios, onde são incentivados comportamentos que normatizam a submissão feminina, a noção da mulher como uma propriedade masculina (seja do pai, do marido, do namorado) e a cultuação da objetificação e hiper-sexualização do corpo feminino.

Dessa forma a mídia consegue, de forma muito eficiente, fazer com que a mulher perca o poder e o direito de decidir sobre o próprio corpo. Afinal ela nos ensina que tudo o que compramos, tudo o que vestimos, tudo o que fazemos com nosso próprio corpo deve ser feito de acordo com o que a sociedade machista deseja de façamos, para agradar os olhares masculinos e obter a aceitação da patriarcado. Não de acordo com nossos próprios desejos, com nossas próprias vontades. Embora alguns possam ver as verdadeiras intensões capitalistas da mídia, a grande maioria (por falta de informação ou por vontade de continuar cego) a segue como verdade absoluta, como uma realidade imutável e normal.


Existe uma polêmica em torno do controle da mídia. Alguns dizem que é censura, mas a questão é que a desculpa da "liberdade de expressão" usada para continuar incentivando preconceitos e reforçando estereótipos é um discurso cada vez mais fraco, pois a realidade é que o direito de qualquer um, inclusive da mídia, de se expressar livremente têm um limite, e este limite acaba quando se atinge o direito do próximo de ser respeitado. Também é comumente usada a desculpa de que a mídia dá o que o povo quer ver, mas aonde fica a responsabilidade da mídia e do governo nisso? A mídia é capaz de influenciar milhões de pessoas, e tem poder para direcionar o caminho da sociedade. É capaz de criar revoluções e também de cegar as pessoas, quando isso protege seus interesses. Se a mídia têm esse poder, ela deve ser responsabilizada pelas informações que propaga, e deve haver um controle e uma fiscalização muito minuciosas e cuidadosas do que está sendo veiculado para a sociedade.


Com o apoio da mídia, a sociedade patriarcal consegue manter o conceito do corpo feminino como propriedade pública e, consequentemente, mantém viva e ativa a cultura de estupro. Relatos de vítimas que sofreram abusos sexuais, físico e psicológicos, e, principalmente, a reação das pessoas em relação a esses relatos, expõe esta normatização da sociedade. Procura-se inúmeras justificativas para culpar a vítima e/ou as circunstâncias ao invés de culpar o agressor: se a mulher estava bêbada a culpa é dela por ter ficado tão embriagada, se a mulher estava com uma roupa muito curta a culpa é dela pois mulher que anda de roupa curta está pedindo para ser insultada na rua, se a mulher estava caminhando sozinha a culpa é dela que deveria estar acompanhada de alguém por ser perigoso andar sozinha por aí. Um homem andando em uma rua perigosa e escura a noite pode ter seus bens materiais tirados e até sua vida tomada, mas uma mulher na mesma situação teme muito mais que isso, ela teme ter roubada a sua dignidade, o seu intimidade, a sua paz, a sua alma.


Os danos psicológicos e físicos causados com todo esse preconceito e ódio circulando contra as mulheres estão nos destruindo: as taxas de depressão entre as mulheres são duas vezes maiores que a dos homens, mais da metade da população feminina tem transtornos alimentares, mais de 40 mil feminicídios  ocorreram na última década só no Brasil (lembrando que, diferente das mortes por violência cometida por homens contra homens, o feminicídio é o ato de tirar a vida de uma mulher por preconceitos de gênero, geralmente por ser considerada como uma propriedade masculina), estudos mostram que 43% das mulheres brasileiras afirmam já terem sofrido alguma forma de violência sexual e doméstica, 13% relataram que foram estupradas, porém é estimado que apenas 10% a 20% desse total denunciam o abuso.

O pior de todos esses danos é o silêncio. Internalizamos nossa dor, pois aprendemos no nosso cotidiano, nas notícias e nas mídias, que a palavra de uma mulher contra um homem, na grande maioria das vezes, não tem valor. Aceitamos caladas todos os dias aquele homem nojento te chamando de "princesa" e passando a mão no seu corpo sem o seu consentimento no metrô;  aceitamos caladas quando aquela moça boazinha do nosso trabalho chega na manhã de segunda-feira com as marcas de uma violência doméstica no rosto; aceitamos caladas quando somos chamadas de "vadia" ou de "puta" na rua pelo fato de ter escolhido usar um vestido naquele dia; aceitamos caladas a notícia de um estupro de duas jovens em um show e ouvimos silenciosamente nossos amigos e parentes condená-las e dizerem que a "história está mal contada"; aceitamos caladas quando vemos uma amiga começar a forçar o vômito todos os dias após almoçar pois o namorado dela falou que ela está feia por que engordou; aceitamos caladas uma menina de 10 anos chorando e falando que quer morrer por que ela engordou 2 quilos; aceitamos caladas todas as agressões praticadas contra nós, sejam elas explicitas ou não.


Eu escolhi não me calar nunca mais. E você?

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